sexta-feira, 9 de maio de 2008

Pragmatismo Jurídico

O que é o Pragmatismo Jurídico?

Thamy Pogrebinschi

O que chamamos hoje de pragmatismo jurídico consiste na revivescência de um movimento preponderante na esfera jurídica norte-americana do início do século XX, o Realismo Jurídico (também conhecido como Jurisprudência Sociológica). Esta escola teórica teve entre seus principais idealizadores Roscoe Pound, Benjamin Cardozo e Oliver Wendell Holmes – sendo os dois últimos juízes em atividade naquele momento. Introduzindo um conceito de direito puramente instrumental, os realistas foram responsáveis por um período de efervescência na Suprema Corte daquele país, bem como por decisões que entraram definitivamente para a sua história. De fato, entre 1910 e 1919, a Suprema Corte norte-americana experimentou um dos períodos de maior crescimento de seu poder judicial, registrando um aumento de 31% no total de atos normativos estaduais e federais invalidados em relação ao período anterior.

O Realismo Jurídico, com sua concepção instrumental de direito, foi em certa medida retomado na década de oitenta, porém então renomeado de pragmatismo jurídico. Entre seus principais propagadores encontram-se não apenas acadêmicos, mas, sobretudo, juízes. Com efeito, diversos são os juízes da Suprema Corte norte-americana que nas últimas décadas foram identificados como pragmatistas, entre eles Brandeis, Frankfurter, Jackson, Douglas, Brennan, Powell, Stevens, White e, mais recentemente,Breyer.

São três as características fundamentais que definem o pragmatismo jurídico, quais sejam: contextualismo, consequencialismo e anti-fundacionalismo. O contextualismo implica que toda e qualquer proposição seja julgada a partir de sua conformidade com as necessidades humanas e sociais. O consequencialismo, por sua vez, requer que toda e qualquer proposição seja testada por meio da antecipação de suas conseqüências e resultados possíveis. E, por fim, o anti-fundacionalismo consiste na rejeição de quaisquer espécies de entidades metafísicas, conceitos abstratos, categorias apriorísticas, princípios perpétuos, instâncias últimas, entes transcendentais e dogmas, entre outros tipos de fundações possíveis ao pensamento.

O pragmatismo não é meramente uma teoria do direito, mas sim uma teoria sobre como usar teoria. Ou ainda, o pragmatismo é uma teoria sobre a atividade judicial. Pensar o direito sob a ótica pragmatista, implica em compreendê-lo em termos comportamentais, isto é, o direito passa a ser definido pela atividade realizada pelos juízes. Nas palavras de Richard Posner, um dos mais conhecidos nomes contemporâneos do pragmatismo jurídico, “o direito é uma atividade, mais do que um conceito ou um grupo de conceitos” (1990:459). Ao adotarmos esta definição, somos necessariamente remetidos ao agente desta prática, ou desta atividade, que é o direito: o juiz.

E como os juízes, orientados pelo pragmatismo, exercem tal atividade? Em primeiro lugar, os juízes pragmatistas fazem o direito, e não simplesmente o “encontram”. Eles são verdadeiros criadores do direito, e não meros reprodutores. Pensar o direito de forma pragmatista implica inclusive em desconsiderar a idéia de interpretação judicial. O juiz pragmatista não interpreta, ele considera conseqüências de decisões alternativas. E estas decisões alternativas podem ser embasadas por diferentes fontes, jurídicas ou não. As fontes autoritativas são apenas fontes de informação para o juiz pragmatista, como são todos os recursos que lhe são disponíveis, sejam eles teóricos ou empíricos, jurídicos ou extra-jurídicos. Pode-se então afirmar que os juízes pragmatistas operam com um método comparativo-consequencialista. Vale dizer, eles avaliam comparativamente diversas hipóteses de resolução de um caso concreto tendo em vista as suas conseqüências. De todas as possibilidades de decisão, o pragmatista tentará supor conseqüências, e do confronto destas, escolherá a que lhe parecer melhor.

E a melhor decisão, para o pragmatista, é aquela que melhor corresponder às necessidades humanas e sociais. Um juiz pragmatista é um juiz preocupado em intervir na realidade social – criando, com suas decisões, verdadeiras políticas públicas. Ele não se encontra fechado dentro do sistema jurídico: a concepção pragmatista do direito implica que se adotem recursos não-jurídicos em sua aplicação, e que se recebam, constantemente, contribuições de outras disciplinas em sua elaboração. Além das tradicionais fontes do direito, autoritativas ou não, os juízes pragmatistas ao formarem suas decisões se valem também, por exemplo, de considerações de ordem ética e política.

O pragmatismo jurídico muitas vezes apresenta-se como uma teoria do ativismo judicial, uma vez que em seu âmbito o que confere validade para as normas passa a ser a aplicação das mesmas. Não faz sentido, assim, falar-se em um direito positivo preexistente à aplicação do juiz. O direito torna-se positivo ou positivado após ser aplicado pelo juiz, e não quando promulgado pelo legislador. Ou seja, antes de ser aplicada, a norma jurídica constitui apenas um dentre diversos recursos aos quais o juiz pode recorrer. Ela seria assim uma fonte autoritativa, mas não ainda uma norma válida – pois, para os pragmatistas, o que confere validade às normas é a sua aplicação.

Ao contrário das abordagens positivistas e formalistas do direito, o pragmatismo não possui compromissos rígidos com os tradicionais imperativos da segurança ou certeza jurídica. Seu compromisso maior é com as necessidades humanas e sociais. O pragmatismo quer que os conceitos e normas jurídicas sirvam constantemente a estas necessidades, e isso implica que o direito ajuste suas próprias categorias a fim de se adequar às práticas da comunidade extra-jurídica. O juiz pragmatista não se preocupa em manter uma coerência lógica do sistema jurídico se isto não servir a um resultado socialmente desejável e benéfico.

Além disso, os juízes pragmatistas rejeitam um suposto dever de consistência com o direito pré-existente, e o vêem como uma restrição ou constrangimento à atividade judicativa. O juiz pragmatista, afinal, quer olhar para o futuro, e por isso decide de acordo com as conseqüências que o seu julgamento pode acarretar. Ele não tem o dever de olhar para o passado, para a história, e só faria isso estrategicamente. Vale dizer, o juiz pragmatista, que almeja tomar uma decisão tendo em vista as necessidades sociais presentes e futuras, apenas buscaria uma certa consistência com o direito pré-existente se isso fosse não um fim em si, mas um meio de atingir os melhores resultados, isto é, de formar a melhor decisão. Afinal, muitas vezes, uma decisão judicial incongruente e que desestabiliza o direito, é uma má decisão. E o juiz pragmatista quer sempre a melhor decisão.

O pragmatismo jurídico não é, portanto, apenas uma teoria sobre a prática do direito, mas é também um modo de se exercer esta própria prática. Por isso, seu desenvolvimento teórico, em permanente construção, não deve e não pode se dar isoladamente na academia. Se sua forma já nos é conhecida, é preciso ainda, contudo, identificar e ampliar seu conteúdo e substância. E isso só pode ser feito através da atividade cotidiana e paulatina dos magistrados, e de sua análise e compreensão.

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